Município Salto do Itararé
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ, por meio de seu órgão de execução, no exercício de suas atribuições na Promotoria de Justiça da Comarca de Siqueira Campos, com fundamento nos artigos 129, incisos III e IX, da Constituição da República de 1988; artigo 27, parágrafo único, inciso IV, artigo 80, ambos da Lei Federal n.º 8.625/93; artigo 6º, inciso XX, da Lei Complementar Federal n.º 75/93, e artigo 107 do Ato Conjunto n.º 001/2019 da Procuradoria-Geral de Justiça do Estado do Paraná e da Corregedoria-Geral do Ministério Público:
Considerando o artigo 127 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o artigo 114, caput, da Constituição do Estado do Paraná que dispõem que o Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;
Considerando o disposto no artigo 129, inciso II, da mesma Carta Constitucional, bem como no artigo 120, inciso II, da Constituição do Estado do Paraná, que atribuem ao Ministério Público a função institucional de “zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados nesta Constituição, promovendo as medidas necessárias a sua garantia”;
Considerando que ao Ministério Público cabe exercer a defesa dos direitos assegurados na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, sempre que necessário for para a garantia do seu respeito pelos poderes municipais, nos termos do artigo 27, incisos I e II, da Lei n.º 8.625/1993;
Considerando o contido no artigo 197, da Constituição Federal, que estabelece serem “de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”;
Considerando que para o exercício dessas atribuições poderá o Ministério Público efetuar recomendações visando à melhoria dos serviços públicos (artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei n.º 8.625/93);
Considerando que a recomendação, de acordo com a Resolução n.º 164/17 (art. 1º), expedida pelo Conselho Nacional do Ministério Público, é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas;
Considerando que em 30.1.2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto da doença causada pelo Coronavírus (COVID-19) constitui Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII);
Considerando que a ESPII é considerada, nos termos do Regulamento Sanitário Internacional (RSI), “um evento extraordinário que pode constituir um risco de saúde pública para outros países devido a disseminação internacional de doenças; e potencialmente requer uma resposta internacional coordenada e imediata”;
Considerando que o Ministério da Saúde, em 3.2.2020, através da Portaria GM/MS nº 188/2020, nos termos do Decreto 7.616/2011, declarou “emergência em saúde pública de importância nacional”, em decorrência da infecção humana pelo Coronavírus, considerando que a situação atual demanda o emprego urgente de medidas de prevenção, controle e contenção de riscos, danos e agravos à saúde pública;
Considerando ainda que a Portaria GM/MS nº 188/2020 definiu o Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública (COE-nCoV) como mecanismo nacional de gestão coordenada de respostas à emergência na esfera nacional, cujo controle recai sobre a Secretaria de Vigilância em Saúde – SVS/MS;
Considerando que, em 11.3.2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou pandemia para o Coronavírus, ou seja, momento em que uma doença se espalha por diversos continentes com transmissão sustentada entre humanos;
Considerando que a Constituição Federal estabeleceu que a saúde e a vida são direitos fundamentais (art. 196 a art. 200) constituindo, por decorrência, obrigação da União, Estados, Municípios a adoção das medidas necessárias e adequadas para proteger o indivíduo e a população do COVID-19 e seus agravos, inclusive a proteção da capacidade de operação dos sistemas de saúde e de seus profissionais serem protegidos e atenderem as pessoas afetadas pela doença em todos os seus níveis de complexidade;
Considerando as disposições das Leis Federais n.º 8.080/80 e 13.979/20, que regulam, respectivamente, as ações e serviços de saúde em todo território nacional e dispõe sobre o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do COVID19;
Considerando a elaboração, pelo Ministério da Saúde, de Plano de Contingência Nacional para Infecção Humana pelo Coronavírus COVID-191, cujo teor contém as estratégias de contingenciamento e mitigação da doença, tendo situado o Brasil, já em 2020, no nível de resposta 3: “emergência em saúde pública de importância nacional (ESPIN)”, na fase de mitigação;
Considerando a presença iminente da nova variante brasileira P.1 do coronavírus, cujo potencial de transmissibilidade é maior do que a versão, até o momento, mais recorrente do vírus2, e a necessidade de adoção de medidas preventivas para conter seu avanço; Considerando, além disso, o ofício circular n° 32/2020-CAPAU, de 24 de novembro de 20203, que enfatiza a importância do apoio da comunidade ao enfrentamento da COVID-19;
Considerando que o Ministério Público do Estado do Paraná adotou como postura institucional que o contexto atual exige tratamento sanitário preventivo mais amplo geograficamente que os restritos limites territoriais municipais, “dado que o vírus desconhece as nossas divisões políticas territoriais”4;
Considerando que, na data de 02 de julho de 2020, o Centro Operacional de Apoio às Promotorias de Justiça de Proteção à Saúde Pública:
1 – Disponível em: http://biblioteca.cofen.gov.br/plano-de-contingencia-nacional/. Acesso em 08 de jul. de 2020.
2 – A nova variante já foi confirmada em diversos Estados brasileiros e em outros países. Isso enseja o temor de uma terceira onda da COVID-19, o que poderia trazer ainda mais danos ao sistema de saúde brasileiro, que já está próximo do limite. Até o momento, sabe-se que a nova variante, além de ser mais contagiosa, tem maior resistência a anticorpos, cenário que contribui para o aumento de casos que envolverá, inclusive, pessoas que já se recuperaram da COVID-19. Insta ressaltar que a P.1, na realidade, é descendente da linhagem B.1.1.28, que já existia no Brasil, conforme Serrano (2021). Disponível em: https://exame.com/ciencia/o-que-e-a-variantebrasileira-p1-e-por-que-ela-e-mais-contagiosa/. Acesso em: 23 fev. 2021.
3 – Disponível em: https://saude.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=257. Acesso em: 24 mar. 2021.
4 – Disponível em: http://www.ampr.org.br/2020/07/1201/MPPR-defende-que-municipios-observemdecreto-estadual-sobre-a-pandemia.html. Acesso em: 24 de mar. de 2021.
CAOPSAU exarou a Nota Técnica n.° 02/20205, cujo teor reforça a necessidade de que Municípios e Estado adotem ações que busquem, de forma harmônica, concretizar as premissas constitucionais e legais, “para conferir mais proteção a seus cidadãos e integração coordenada e congruente, em nível executivo, das ações de saúde executadas, tendo em mira as prevalentes condições epidemiológicas regionais (cf. art. 7º, VII e X, da Lei n.º 8.080/90)”;
Considerando que, em 30 de julho de 2020, o Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Proteção à Saúde Pública lançou nota técnica n° 3/2020 – CAOPSAU6 e, nas considerações finais, destaca, a partir do Comitê de Operações de Emergência – COE, os seguintes alertas direcionados aos gestores dos Municípios: “a) do ponto de vista técnico científico, não há até o presente momento, tratamento medicamentos eficaz para a COVID-19; b) do ponto de vista legal, há vedação para a aquisição ou reembolso, por parte dos entes públicos, de medicamentos experimentais ou de uso não autorizado pela ANVISA.
Considera-se ainda como riscos para a gestão do SUS: a utilização de recurso público para aquisição de terapêuticas sem comprovação de eficácia e registro na ANVISA; a possibilidade de desabastecimento de outros medicamentos contemplados nas políticas públicas em função do redirecionamento do recurso público; a escassez de medicamentos aprovados e necessários para o tratamento de outras doenças ao se estimular a utilização off label de tratamentos para COVID-19 ainda sem eficácia clínica comprovada; a promoção do uso indiscriminado de medicamentos, sem a devida segurança e eficácia comprovadas; causar na população a falsa sensação de proteção e, consequentemente, o relaxamento e abandono das medidas de prevenção consideradas eficazes e internacionalmente recomendadas: uso de máscara, etiqueta respiratória, distanciamento social e uso de álcool gel. Finalmente, e com base nas manifestações da Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o COE não recomenda a utilização de medicamentos para prevenção ou tratamento da COVID-19 sem que haja eficácia comprovada ou que este seja feito em ambiente controlado de ensaios clínicos”.
Considerando ainda que, no dia 07 de julho de 2020, a Procuradoria-Geral de Justiça e a Corregedoria-Geral do Ministério Público do Paraná expediram a Recomendação Conjunta n.º 02/20207, a qual ressalta o avanço exponencial da curva epidemiológica do coronavírus no Paraná, o contínuo e severo agravamento do quadro de propagação da doença, transcendendo o interesse meramente local, alastrando-se por várias cidades e regiões, sem respeitar fronteiras em nosso Estado, exigem esforços e tratamento sanitário mais amplo e rigoroso por parte de todos os entes federados, inclusive e sobretudo dos Municípios, cujo âmbito de atuação tem impacto ainda mais concreto e direto na vida e na saúde da população;
Considerando que o diploma citado alhures se deu no sentido de recomendar aos promotores de Justiça com atuação na área de Proteção à Saúde Pública para a adoção de todas as medidas legais cabíveis em relação aos Municípios que não estejam promovendo integral e positivamente, com atos correspondentes, os deveres de velar pela saúde e pela vida da população em relação ao Covid-19;
Considerando ainda que o Estado do Paraná é dividido em Macrorregionais, sendo 22 (vinte e duas) Regionais de Saúde e que a 19a Regional de Saúde – Jacarezinho compõe a Macrorregional Norte8 em que está inserido o município de Siqueira Campos e que, segundo o Informe Epidemiológico da SESA (24.03.2021), na Macrorregião Norte a taxa de ocupação de leitos UTI Adulto e Pediátrica exclusivas para pacientes suspeitos ou confirmados COVID-19 é de 65% (sessenta e cinco por cento);
Considerando que por meio do Ofício Circular D.C. n. 050/2021 a Dra. Luíza Kazuko Moriya, Diretora Clínica do Hospital Universitário da UEL (Universidade Estadual de Londrina) comunicou, no dia 24.02.2021, que o Hospital Universitário de Londrina (referência para atendimento de casos suspeitos) encontra-se SUPERLOTADO com ocupação ACIMA de 139% (cento e trinta e nove por cento);
Considerando a reunião havida entre a Promotoria de Justiça de Siqueira Campos e representantes da classe dos advogados de Siqueira Campos e Salto do Itararé no dia 24 de Março de 2021;
Considerando que, assim como em outros Estados da Federação, no Paraná os números de casos confirmados e óbitos pelo COVlD-19 são crescentes, sendo que no último Informe Epidemiológico do Estado do Paraná, Secretaria da Saúde (25/02/2021), o panorama atual é de:
(i) 123.419.065 (cento e vinte e três milhões, quatrocentos e dezenove mil e sessenta e cinco) casos confirmados e 2.719.163 (dois milhões, setecentos e dezenove mil, cento e sessenta e três) óbitos, a nível mundial;
(ii) 12.130.019 (doze milhões, cento e trinta mil e dezenove) casos confirmados e 298.676 (duzentos e noventa e oito mil, seiscentos e setenta e seis) óbitos, a nível nacional;
(iii) 807.453 (oitocentos e sete mil, quatrocentos e cinquenta e três) confirmados e 15.339 (quinze mil, trezentos e trinta e nove) óbitos, no Estado do Paraná10, e
(iv) 204 (duzentos e quatro) confirmados, 28 (vinte e oito) casos ativos além de 5 (cinco) óbitos, 54 (cinquenta e quatro) casos sob investigação e 3 (três) casos internados, no Município de Salto do Itararé11.
Considerando que o Município de Siqueira Campos atingiu o maior número de casos confirmados ativos desde o início da pandemia do coronavírus no dia 24 de março de 2021;
Considerando que o Município de Salto do Itararé dispõe de um único estabelecimento hospitalar, o Hospital Municipal, responsável pelos atendimentos médicos de urgência e emergência do Município além da demanda municipal não atendida pelas Unidades Básicas de Saúde, e que referida unidade não dispõe de nenhuma unidade para tratamento intensivo (UTI) frente ao significativo número de casos ativos e aguardando resultado naquela urbe.
Considerando que as normas atualmente vigentes no âmbito do Município de Salto do Itararé (Decreto 23/2021), relativas as medidas sanitárias preventivas e repressivas ao contágio pelo coronavírus têm se revelado insuficientes na propagação da doença, o que resta definitivamente demonstrado pelos altos números registrados nos boletins Epidemiológicos do próprio município, que revelam constante crescimento no número de casos;
Considerando que as medidas de distanciamento e isolamento social não tem sido observadas pela comunidade saltense, que tem reiteradamente infringido a legislação preventiva a esta grave doença; A recente edição do Decreto n° 6.983/2021, do Governo do Estado do Paraná que determinou novas restrições com vistas a contenção à disseminação da COVID-19 em razão do agravamento da pandemia em todos os aspectos, quais sejam número de casos, óbitos, e lotação de leitos hospitalares12 , inclusive adotado pelo município de Salto do Itararé, por intermédio doe Decreto n. 20/2021, não mais vigente;
Considerando assim, que há o risco iminente de os leitos destacados para atendimento aos pacientes contaminados pela doença COVID-19, atualmente existentes no Estado do Paraná, virem a ser ocupados, seja pelo aumento de contaminação local ou pela necessidade de o Estado do Paraná vir a realizar o encaminhamento dos pacientes das localidades vizinhas, que integram a 19a Regional de Saúde ou outras regionais de saúde, havendo o sério risco de o sistema de saúde paranaense colapsar nas próximas semanas, caso não sejam adotadas medidas sanitárias e administrativas mais restritivas, que possibilitem o achatamento da curva de contágio;
Considerando, por fim, o artigo 30, inciso I, da Constituição Federal, que prevê a competência dos Municípios em legislar sobre assuntos de interesse local, e do reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de competência concorrente entre Estados, Distrito Federal, Municípios e União para legislar a respeito de questões voltadas ao enfrentamento da COVID-19, no âmbito da ADI 634113;
Diante desse quadro, o Promotor de Justiça abaixo subscrito RESOLVE RECOMENDAR ao Sr. Prefeito de Salto do Itararé, PAULO SÉRGIO FRAGOSO DA SILVA, ou quem o venha a substituir ou suceder, que imediatamente ao tomar conhecimento da presente recomendação, ante a grave situação ilustrada acima, de conhecimento público e notório:
a) que seja adotado em decreto municipal específico e ser editado, tão logo tomem ciência da presente Recomendação Administrativa, medidas com o fito de recrudescer as medidas sanitárias preventivas ao contágio e propagação do corona vírus, determinando-se o fechamento do comércio e indústria não essenciais no âmbito do Município de Salto do Itararé (aqui abrangidos, exclusivamente, mercados, postos de combustíveis e farmácias, esta última em regime de plantão) sem prejuízo da manutenção das fiscalizações já desenvolvidas no âmbito e em face dos órgãos vinculados ao Executivo Municipal, com vistas a ampliar o cumprimento das medidas sanitárias e sem prejuízo da fiscalização a ser empreendida pelos órgãos estaduais, tais como a polícia militar, regional de saúde e outros por, pelo menos, 15 (quinze) dias;
b) que seja implementado protocolo para atendimento, triagem e segmentação dos contaminados, a fim de que sejam identificados os focos de contágio (ex. empresas, indústrias, locais de lazer e grupos familiares) a fim de que sejam aplicadas medidas específicas, mais intensas, e haja maior controle da proliferação do vírus;
c) que sejam ampliados os meios de divulgação da grave situação identificada, bem como dos atos preventivos para a contenção da contaminação do vírus, incluindo-se os planos de vacinação;
d) que seja ampliada a equipe de fiscalização da Vigilância Sanitária, fornecendo meios aptos ao exercício da fiscalização (tais como veículos apropriados, equipamentos de segurança, etc.);
Ato contínuo, determino:
Dê-se ampla divulgação à presente recomendação administrativa, sobretudo nos canais de comunicação do Município (sítio eletrônico, mídias sociais, diário oficial, etc).
Dê-se ciência ao Conselho Municipal de Saúde e à Câmara Municipal de Salto do Itararé, por e-mail, acerca do quanto ora recomendado. O teor desta recomendação não exclui a irrestrita necessidade de plena observância a todas as normas constitucionais e infraconstitucionais em vigor.
Remetam-se cópias ao destinatário, para cumprimento, devidamente instruída com os anexos que instruem a presente.
Requisite-se, no mesmo expediente, que informe, em 24 (vinte e quatro) horas, as providências adotadas.
Publique-se.
Cumpra-se. Diligência e anotações necessárias.
Siqueira Campos, 25 de Março de 2021.
BRUNO FERNANDES FERREIRA.
Promotor de Justiça.